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Entrevista com Lucas Ventania

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Entrevista: cantor Lucas Ventania (Revista Tendência - Fev/Mar 2006 - PASSOS-MG)

O entrevistado desta edição de Tendência é o cantor e compositor Lucas Lander Lopes Freire, o Lucas Ventania. O artista que está lançando seu terceiro CD esteve nas dependências da Acads onde falou de viagens, música raiz de verdade e do amor que tem pelas terras sul-mineiras. Ventania, termo que ajuda a compor seu nome artístico foi adotado em homenagem à sua cidade natal, Alpinópolis, ou Ventania como é popularmente conhecida.

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Como foi seu início de carreira?
Eu saí muito novo de casa, com meus quinze anos fui morar em Belo Horizonte, nessa época não tinha intenção nenhuma de mexer com música, depois eu voltei para cursar uma faculdade na cidade de Batatais / SP e trabalhei em São Paulo(Capital) por sete anos como educador físico. Depois disso, fiz um curso de piloto de avião e fui para a Europa, na Alemanha onde comecei a dedilhar o meu violão e foi ali que eu fui ver que a música fazia parte da minha vida. Abdiquei de tudo, das profissões que eu tive e tenho e comecei a trabalhar com a música. Eu dei voltas pela Alemanha, morei lá durante nove meses, e comecei a tocar e a dedilhar o violão (usando as cifras das revistinhas vendidas em banca) e ali foi. A primeira música que eu aprendi foi Preta Pretinha, dos Novos Baianos. Depois eu voltei para o Brasil, continuei em São Paulo aí tocando já nos bares, universidades e vim à Passos que é onde eu considero que praticamente começou minha carreira profissional como músico.

O que lhe prende aqui à região Sul de Minas?
Essa parte da minha história que eu contei responde o porquê de continuar aqui na região. Sempre que volto aqui na Ventania, eu encontro o lado da simplicidade, o lado bucólico, perto do mato, cheio de serras e de cachoeiras, e essas coisas me prendem. Estou em São Paulo de novo, voltei e estou morando lá na capital, mas pretendo, assim que a carreira se solidificar mais, voltar pra cá, pra Ventania. Daqui para os shows, dos shows para *cá, porque eu não desejo nada do mundo senão viver sossegado, tocar minha viola, ter minha esposa, meu filho e criá-lo com a viola.

Apesar de já ter demonstrado algumas preferências, que tipo de trabalho mais lhe dá prazer hoje?
Eu vou te falar que depois de velho fui ver o que é tocar um violão e cantar músicas em shows onde se passa realmente alguma coisa com a música para o ouvinte. É muito fácil fazer dinheiro com música, basta você pagar uma "mídia", que ela vai e faz para você a divulgação que desejar. Por outro lado, as gravadoras estão levando o Brasil a uma decadência musical e cultural fora de série e o jovem não está se tocando disso. Apesar disso, tem um Brasil querendo fazer música para quem gosta de música, querendo e tentando passar alguma coisa útil e é o que eu tento fazer com as minhas composições próprias, em arranjos que eu faço, em pesquisas de música raiz. Eu prefiro fazer menos shows, mas fazer com gosto, com um público seleto, que goste de ouvir músicas e letras, que realmente goste de música e não de lixo cultural.

Santo de casa faz milagre?
É difícil, mas eu tenho feito. Deus está dando * "uma de mão" pra mim que está dando certo. Eu falo porque eu adoro a Ventania, mas o povo que mais me abraçou e abraça é o povo passense. Eu devo a minha carreira quase que todinha ao povo de Passos. Na minha cidade tem o pessoal que gosta, tem o pessoal que confunde, talvez pelo fato de estarem acostumados a te ver muito, têm um contato mais próximo, então realmente fica uma coisa comum e por isso deixam de te valorizar.

De acordo com a sua visão o que é ser mineiro?
Ser mineiro é ter sossego, é não ficar apegado a parte financeira, se ela vier está de bom tamanho, mas vai saber empregar esse dinheiro, usar numa bacia de pão de queijo, poder comprar mais frango caipira, é ter esse jeito fácil de levar a vida com responsabilidade, mas com muito sossego, e transparência principalmente. As pessoas, principalmente de outras regiões do país, vêem que somos realmente muito espertos, mas tem aquele lado mais sossegado, mais calmo, pacato, um jeito bem particular de ver as coisas, achar que não conhece mas com um conhecimento muito grande.

Dá para afirmar que hoje é "chic" ser caipira?
Uai, uns falam, talvez pelo fato da mídia divulgar algumas músicas sertanejas, e é quando eles usam muito o termo "caipira", mas que de caipira esse pessoal não tem nada. A mídia é que faz eles falarem isso, mas não conseguem passar isso na música. Eu sempre achei "chic", nunca escondi minha identidade, morei muito tempo fora, fiz faculdade, maior parte da minha vida morei em capitais, até fora do país, falo meu inglês, mas, sobretudo eu acho que um lado bom do caipira é ser autêntico e isso é motivo de muito orgulho.

Fale um pouco do seu novo trabalho, do novo CD que estará sendo lançado nos próximos meses?
Esse trabalho foi o que mais demorou a gravar, porque eu fiz uma pesquisa muito grande da música raiz, caipira, a música sertaneja autêntica. No meu primeiro disco eu tinha acabado de sair dos bares, então era uma mistura de MPB com música raiz. Já o segundo veio mais autoral, com músicas minhas e foi quando comecei a ir mais para o lado caipira, para o lado da música raiz. Esse de agora está totalmente pé no chão, é um pé no estrume de vaca e uma mão na espiga de milho, esse é bem roça mesmo. Pesquisei muito, fui rever músicas de Mário Zan - grande sanfoneiro que a gente tem, autor da Chalana. Regravei Nhô Pai, Nonô Basílio que é o pai da nossa música sertaneja, tem aí o Pena Branca e o finado Xavantinho, Renato Teixeira, Almir Sater , Tonico e Tinoco, Sérgio Reis, Craveiro e Cravinho, têm muita gente e eu pesquisei de tudo. Usamos muitos instrumentos típicos da música caipira, a sanfona que eu adoro, a viola de 10 cordas (caipira), que pra mim é alma da música caipira. Porque hoje você vê essas duplas sertanejas e é muito difícil ver uma viola caipira. Falam muito de viola caipira, mas é só camisa de seda e guitarras, não dá para entender, e eu fico chateado com isso. Então não tem como, o Brasil está cheio de ritmos aí, muitos gostos, a gente tem que respeitar, mas de caipira realmente essa música que tocam por aí não está tendo nada.

Quantas músicas suas tem nesse CD?
Nesse CD eu tenho só duas músicas. Uma chamada Vida de Peão que tem até um fato interessante. No ano de 2003 eu estava morando em Manaus e divulgando o trabalho do segundo disco e conheci o Tião Procópio, um dos maiores campeões de rodeio do país, e que foi o motivo inspirador da novela América. Nesse período, veio a Glória Perez e pediu para o Tião Procópio para fazer a assessoria na novela, e foi ali que ele conheceu a minha música "Vida de Peão", letra e música minha e foi nessa ocasião que ele tentou colocá-la na novela. Enfim, o Tião Procópio falou com o
diretor Jaime Monjardim e o produtor musical Marcos Vianna da Rede Globo, mas infelizmente mais uma vez a mídia prevaleceu. Não deu certo essa música, mas está de bom tamanho, só de ter tido contato com esse pessoal, já valeu o interesse.

O que lhe inspira para compor?
É engraçado, porque tem várias coisas, cada artista tem um jeito de buscar inspiração. O pintor, o escultor, o músico. Tristeza é uma inspiração, aliás, uma grande companhia para essas horas, para poder fazer música. Eu já fiz bastante música triste, sofrendo mesmo devido à situação financeira, situação amorosa, e isso tudo me inspira. Alegria, boteco, bar, é muito bom a gente poder viver esse lado boêmio, onde se aprende, porque bar também é cultura.

A maioria dos artistas brasileiros poderia se beneficiar com as leis de incentivo à cultura, em especial as Leis Estaduais de Incentivo a Cultura e a Lei Rouanet em nível federal. Você já pleiteou recursos para produzir algum de seus trabalhos?
Não. Eu tenho buscado recursos próprios, com amigos nossos, patrocinadores, mas tudo por conta própria. Até conheço gente que já foi beneficiada aqui em Passos e na região com essas leis de incentivo à cultura. Mas eu tenho um projeto sim, devo gravar um DVD no fim de 2006, através da lei de incentivo à cultura. Já mandei o projeto para Belo Horizonte, onde tem um amigo da gente que trabalha com essa parte de formatação de projetos, então a gente já está caminhando para isso, e seria o próximo disco com um DVD para o fim do ano.

Como você pensa esse DVD, em forma de Clipes, mesclado com documentário?
Tem muita coisa, estaríamos trabalhando com Make in Off em shows e outras gravações, tem clipe, tem o lado de mostrar a região, a Ventania, eu quero fazer isso, porque lá é rico por natureza e por beleza cultural. A gente até está perdendo um pouco essa coisa da cultura popular, por exemplo, nas folias de reis e outras manifestações, e isso é interessante colocar, porque a nossa riqueza, digo da Ventania e toda a nossa região está muito nisso, na cultura popular. Busco também a participação de artistas como o Rolando Boldrin, que para mim é o papa da música caipira, de raiz, e
também em convidar o Almir Sater, que dispensa qualquer tipo de comentário . Se tudo correr bem, os dois estarão no DVD participando desse projeto.

Você já viajou bastante, esteve na Alemanha, na Inglaterra, deve ter conhecido grande parte da Europa. Gostaria de saber, com relação ao povo, o que você conseguiu perceber de diferenças entre as pessoas desses países europeus e os latino-americanos?
Primeiro que culturalmente falando, a comida, a sua língua, o seu costume, o seu vestuário, tudo muda. A primeira vez que eu saí fui para a Alemanha, ela estava ainda separada pelo muro de Berlim em 1989, foi nesse período que eu morei lá. Eu até vi, um mês antes da queda do muro, eu trabalhei em Berlim, colocando carpetes nas quadras de tênis e o muro tava lá. Então você atravessa todinha a Alemanha e a diferença era gritante de um país para o outro. Esse choque para mim realmente foi bravo e depois que eu voltei fui para a Inglaterra, onde morei dois anos e meio em Londres, mas já estava acostumado com a Europa. As pessoas dizem que o europeu é frio. Depende muito de você, porque se você for um caboclo frio, você irá achar o europeu frio e ele irá te achar frio também. Vamos dizer assim, não é igual ao brasileiro, fácil de fazer amizade, não tenha dúvidas de que os países latinos, mesmo os da Europa, como a Espanha e a Itália, tem um pessoal mais alegre, isso aí é deles lá. Em 2000 eu fui para Machu Picchu no Peru, aí cortei outros países como a Bolívia, a Colômbia e o Peru. E a gente percebe, que dentro do próprio continente sul-americano há uma diferença grande, enorme. Você vê que não é só a cultura européia, só a norte-americana, a nossa cultura aqui na América Latina também apresenta diferenças gritantes, principalmente no que diz respeito ao ser humano e seus valores.

E aqui, dentro do país, você conseguiu perceber muita diferença entre as diversas regiões do país?
Realmente isso acontece e é engraçado, porque, por exemplo, aquela região norte do país, ao mesmo tempo que está dentro do país eles também estão meio isolados. Ali, basicamente predomina a cultura indígena, para tudo que você olha, e no meu caso depois de velho é que eu fui conhecer o significado de alguns nomes indígenas. Pouca gente sabe, por exemplo, que "urubu" é uma palavra indígena, ou seja, pra gente é tão comum a palavra urubu e jamais passa pela nossa cabeça perguntar de onde vem esse nome.

Apesar de ter viajado bastante, conhecer outros países, outras regiões bem diferentes da nossa você acabou voltando para a terrinha. Valeu a pena ter ido buscar "coisas" lá fora e de repente perceber que o que você quer está é aqui?
Essa experiência de ir e vir é um legado que ninguém te dá, nem pai, nem mãe e nem ninguém. Eu falo com relação às rotinas que vão fazer você viver, que vão te dar bagagem para poder ser sempre legal, instigante, é chegar nos lugares e dizer "tô no lugar certo, tô fazendo bem feito, tô me realizando". Porque na vida é muito difícil as pessoas fazerem o que gostam e quando se faz o que gosta, você faz bem feito. É o que eu tento fazer com a música, tento sempre passar isso, esse bem estar com a música. Hoje você tem a Internet, então não existem mais distâncias, mas quando você pisa no local, sente a novidade * aí o aprendizado está se cumprindo. Até tem uma música que eu gosto muito de citar, que é do meu segundo disco, "Dona vida" é o nome dela, é uma estória onde eu converso com a vida, e ela fala assim:"Olha aqui dona vida, o que eu aprendi, não se mede no braço, é preciso sentir", então é uma frase bem profunda isso aí e fala justamente da prática, do fazer, do ir atrás.

Qual o ingrediente principal para se trabalhar com a música raiz?
Em primeiro lugar o caboclo tem que ter consciência, estar ciente do que está falando. Não é simplesmente ir compondo músicas e falar que é sertaneja, dobrar um chapéu, botar uma camisa de seda, tocar uma guitarra, botar um brinquinho na orelha e começar a gritar. O problema é que a mídia compra isso, e vende, o pior é isso. São pagos os "jabás", porque tem certas músicas que tocam no rádio não porque o povo está gostando, mas porque é pago para tocar, é o jabá, e o brasileiro engole isso achando que é sucesso. Você é obrigado a escutar aquilo, porque você muda de uma estação para outra é a mesma coisa, você vai procurar na televisão é a mesma coisa. É uma lavagem cerebral o que eles fazem, o teu subconsciente escuta aquilo, você dorme pensando naquilo, no outro dia você já está, inconscientemente querendo ouvir a música de novo, assobia sem querer e às vezes até canta aquilo, mesmo sem gostar. Hoje o jovem poderia estar buscando informações em uma revista de boa procedência, num jornal, usar a Internet para coisas boas e não para ficar ali naqueles bate-papos. Vai para o boteco conversar de verdade, olhar no olho e no brilho do outro, agora fica nesses tal de "iogurt"(risos) da vida. Não, isso para mim não vira. Então eu acho que realmente, para o cara fazer uma boa música de raiz tem que ter muita consciência. Não é só na música sertaneja que tem isso, há o pagode de raiz, o forró de raiz, não essa coisa comercial, que você compra aí embalada, certinha, bonitinha, mas que por dentro não tem aquele bom conteúdo. Às vezes eu acho que o Brasil está na contramão da música, e ainda assim somos ricos musicalmente.

Fonte: http://www.ventaniaonline.com.br/entrevista_lucas_ventania.htm
Acesso: 29/07/2006

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